Rio: Cidade desespero

Todos sabem da histórica rincha entre jornalistas e historiadores. Os primeiros dizem que os segundos enrolam e se estendem demais. Os segundos dizem que os primeiros resumem e generalizam demais. Bem, implicâncias a parte, toda essa “historinha” tem um só objetivo: elogiar o texto do meu amigo historiador, Fernando Pinheiro. Ele foi um dos muitos que se aventuraram pelo Rio de Janeiro, na quinta-feira passada e retratou muito bem o estado de pânico que envolveu o carioca. Vale a pena conferir!
Tentando voltar pra casa ou “Rio: Cidade desespero”

Medo é um instinto de auto-preservação, ou seja, é uma coisa boa no final das contas, pois faz as pessoas terem mais precaução. Mas às vezes é uma grande droga, já que ele pode virar pânico. Então sai de baixo que tudo pode acontecer.

Estava eu na Leopoldina depois das 20h esperando um dos quatro possíveis ônibus para ir para casa. Quero dizer, estava quase uma hora no ponto e nada de 484, 485, 498, 497 para chegar em Olaria nesse inesquecível dia 25 de novembro onde o trânsito no túnel Rebouças nunca esteve tão rápido e as ruas com tão pouco veículos.

Penso que deveria ter ido para São Cristovão e não querendo esperar mais resolvo pegar o trem. Então resolvo pegar o 397 (Tiradentes-Campo Grande) e saltar na passarela 14 da Av. Brasil para ir andando até meu apartamento.

Ideia mais ou menos boa já que tem uns quatro dias que estão queimando carros e ônibus nessa cidade marav..., hum pensando bem estamos mais para “cidade desespero”.

Ônibus lotadão fui me espremendo no meio das pessoas até chegar ao fundão para poder descer com mais tranqüilidade. Segurando livros ficou uma tarefa difícil. Além disso, não paro de escutar o rádio para me atualizar dos pontos críticos. Nesses dias o rádio é o nosso melhor amigo, pois dá várias dicas aonde ir, o que evitar, qual parte da cidade está em chamas. Essas coisas habituais de uma “cidade desespero”.

Menos de dez minutos depois indicações de coisas ruins. Ao passar pelo Caju o motorista não queria parar e já estava passando pelo ponto quando passageiros começaram a gritar para parar. O ônibus já tinha ido para o lado esquerdo da pista e do nosso lado e um caminhão grande de cimento. O ônibus dá uma freada e atrás estava vindo outro caminhão de cimento. Sim, isso mesmo, aqueles caminhão betoneira. Um veículo grande de ferro assustador que deu uma freada a poucos metros da traseira do ônibus.
O motorista não consegue parar em nenhum ponto da Av. Brasil. Algumas vezes o ônibus para imediatamente quando os passageiros gritam, outras vezes passa direto do ponto. Mais gritaria dentro do ônibus para parar.

Nitidamente todos estão perdendo a paciência. O medo faz parte da mistura.

Ao chegarmos perto da passarela 9 esse caldo doido desanda.  Motorista para bem antes do ponto ficando atrás de um ônibus. Um carro da polícia mais a frente com luz giroscópio ligado. Passageiros gritando para abrir a porta, pois ali era perigoso. De repente um carro volta na contramão do nosso lado direito. Pessoas assustadas dizendo que estava acontecendo algo tava todo mundo voltando.

Tenho um fone no ouvido escutando notícias da mega entrevista do secretário de segurança do RJ Beltrame. Falando da atuação da polícia ao expulsar os traficantes da Vila Cruzeiro. Polícia ajudada pelos blindados dos fuzileiros navais. Bope entrando. Traficante assustados correndo sendo mostradas pela televisão. Nesse momento que divida minhas atenções em dois o caldo entorna.

A janela na minha frente se espatifa. Quebra tudo mesmo. O cara do meu lado esquerdo com rara calma, e a camisa enrolada na mão, empurra o resto do vidro para pular a janela.

Gritaria total “FDP motorista abre a porra da porta”. A porteira abre e todo mundo corre para o posto de gasolina do lado direito do ônibus.

Eu deixo umas dez pessoas descerem na minha frente, pois queria olhar para fora antes de sair correndo que nem doido.

Chuva forte. Corrida rápida. Todo mundo desesperado dentro da oficina do posto. Muitos lá no fundo. Ainda tem gente saindo do ônibus. Um policial passa na nossa frente com arma em punho. Algumas pessoas gritam perguntando o que estava acontecendo. O policial gesticula com que falando “Não ta acontecendo nada!”.

Olha pra Av. Brasil e o trânsito para a pelo menos uns cinco metros do nosso ônibus.
Nosso ônibus?  Kkkkkkkkkk....

Voltamos pro ônibus e a chuva cai na cabeça de todo mundo.  Talvez acalmando o desespero nos fazendo sentir idiotas. Dentro do ônibus uma janela do lado esquerdo foi arrancada com o uso daquelas alavancas de emergência.

Ficando na frente da porta de trás quando o ônibus começa a se mover de novo dá pra ver a água entrando pelas ex-janelas. Olho direito e na minha frente está o sujeito que estava sem camisa pulando pela janela. Na verdade ele que quebrou a janela com dois potentes socos.

É verdade. É isso mesmo. O cara com a mão fechada e a camisa enrolada quebrou a janela. Ele disse que precisava sair do ônibus, pois não sabia o que estava acontecendo. Além disso o carro na contramão na verdade estava no espaço do posto de gasolina.

Fico prestando atenção para gritar para a trocadora “Passarela 14, vou descer na passarela 14”.  Motorista para no ponto correto e desço com mais duas pessoas. Sorte minha estar com guarda-chuva, já que vou andar uns dez minutos em chuva forte.

Dou uma pequena risada pensando que se não conseguir rir dessas coisas só resta o pânico e desespero.

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