Garotas e Garotos Radioativos: O Fantasma da Radiação

Com a tragédia no Japão, um dos assuntos mais comentados tem sido os riscos da radiação para a saúde. Logo lembrei dos primórdios da descoberta do elemento químico Rádio quando ainda não se mensurava os danos. Web surfando, achei no Mdig magnífico e reflexivo texto abaixo. Boa leitura!

A bizarra história das Garotas do Rádio
Via Mdig

A história é longa já que não sou afeito a sínteses quando vou falar sobre fatos históricos, mas creio que vocês vão gostar de conhecer os detalhes desta história tão impressionante quanto escabrosa que inicia em 1917, quando as "garotas radioativas" pintavam as unhas com líquido luminoso para adequar-se à nova moda, impregnavam seus dentes com pigmento radioativo para beijar seus fascinados namorados.


Garotas do Rádio
As "Garotas do Rádio" em plena ação na fábrica de Orange, Nova Jersey.
Inconscientes de seu pecado as coitadas, perderam dentes, unhas e inclusive a vida, antes de constatar e denunciar à fábrica de relógios onde trabalhavam por usar pinturas venenosas. Também conseguiram a instauração, pela primeira vez, do direito de um trabalhador a demandar por condições trabalhistas abusivas. Esta é a sua história.

Em 1898, Marie Curie - a sempiterna cientista do vestido negro- isolava o rádio em estado puro, estabelecendo definitivamente sua condição de elemento na tabela periódica. A manipulação e experimentação da primeira "garota radioativa" da história rendeu-lhe dois prêmios Nobel e uma anemia aplástica que acabou com sua vida. Ainda hoje, suas anotações e cadernos de pesquisa não podem ser manipulados sem proteção devido à radioatividade de seu isótopo mais estável.

As propriedades fosforescente do rádio -ao misturá-lo com o sulfeto de zinco- foram imediatamente aproveitadas pela onipresente indústria militar norte-americana de então para seus aparelhos e instrumentos de navegação noturna, como relógios e velocímetros de veículos militares. Para isso depuraram a extração do rádio de um mineral chamado carnotita e assim produzir a maior patente de pintura luminosa, radioativa e venenosa da história: O Undark.

Na Europa, especialmente na Suíça, existiam tantos pintores de rádio que era muito normal reconhecê-los pela rua. Todos eles brilhavam na escuridão como se um halo mágico os perseguisse.
Publicidade Undark
Publicidade do Undark. Pigmento cancerígeno de uso estendido até os anos 60.
A United States Radium Corporation em Orange, Nova Jersey, foi a empresa encarregada da fabricação e distribuição do perigoso pigmento e de várias de suas técnicas para a pintura dos componentes militares. A mais avançada de todas elas era a aplicação do produto mediante a "tecnologia manual aplicada de primeira geração" isto é, a pincel e mão sem proteção... e se fosse feminina e delicada muito melhor. Enquanto os diretores suspeitavam e protegiam-se com máscaras e luvas de chumbo, as 70 mulheres contratadas na fábrica para as tarefas de manipulação e pintura, faziam-no com uniforme corporativo e como se pintassem um quadro. Ninguém informou o perigo da manipulação do Undark. Tudo pela boa imagem da empresa. Uns 4.000 empregados passaram pela peçonhenta fábrica.

Com delicados pincéis de pelo de camelo aplicavam o produto nas agulhas e nos marcadores dos diais de relógios e contadores; as vezes lambendo uma e outra -por indicação trabalhista- para afiar a precisão dos pequenos pincéis. Como um jogo divertido de paquera e veleidade, utilizavam também a pintura luminosa para pintar as unhas, dentes e polvilhar o cabelo nas escassas aventuras trabalhistas que tinham com a ingenuidade de sua perigosíssima ignorância. Cobravam um centavo e meio de dólar por cada dial pintado, mas levavam para casa uma curiosa e única maneira de enfeitar-se com material radioativo e luminescente.
Queixo de rádio
Provas do julgamento. Posto de trabalho e estragos do rádio no queixo das garotas.
Pouco a pouco as mulheres foram adoecendo: anemia, neoplasia, necrose e o que mais tarde foi batizado como "Queixo de Rádio". Em 1925 um dentista de Nova York atribuiu as patologias encontradas em 80% das mulheres da fábrica à toxicidade do fósforo. Enquanto vários relatórios, pagos pelos proprietários da empresa, intoxicaram à opinião pública achacando os sintomas a doenças de transmissão sexual como a sífilis; em uma tentativa de manchar a reputação das trabalhadoras.

Até que uma delas decidiu processar a empresa e conseguiu mobilizar à opinião pública no que passou a ser considerada a primeira demanda por danos ocasionados em condições trabalhistas abusivas; criando jurisprudência e os precedentes legais para redigir as primeiras leis modernos de segurança e saúde no trabalho.


Curta de animação "Glow" que conta a história das Garotas do Rádio.
Grace Fryer demorou dois anos e 9 dentes para encontrar o advogado Raymond Berry; único letrado que aceitou preparar o processo contra a United States Radium Corporation. Com o apoio de mais cinco garotas da fábrica e a cumplicidade de alguns meios muito sensibilizados pela história, levaram o litígio aos tribunais em 1928. Tiveram que enfrentar vários obstáculos pagos com o dinheiro do rádio e médicos cupinchas da empresa. Felizmente as sequelas das garotas tornavam evidente o inquestionável.

A empresa foi condenada finalmente a pagar 100.000 dólares -dos 250.000 pedidos pelo ministério fiscal- e uma pensão mensal e vitalícia à cada uma das "garotas radioativas"; ainda que muitas delas nunca receberam uma só mensalidade. Alguns meses depois a fábrica fechou por causa das dificuldades no modelo de negócio de um produto perigoso e as críticas públicas a um gerenciamento delitivo e humilhante para com seus trabalhadores. Ninguém queria trabalhar para a United States Radium Corporation.

A última "garota radioativa" morreu de câncer em 1930. Mas não foi em vão, elas despertaram o movimento sindical pela defesa dos direitos civis do trabalhador, ratificado em 1948. E modificaram, ademais, todos os procedimentos para a manipulação dos pigmentos e substâncias radioativas.

Ainda hoje é possível medir a radiação emitida por muitas das sepulturas das "Garotas do Rádio".

Curiosidade: Se você tem um relógio fabricado antes de 1968 cujos ponteiros podem ser vistos no escuro, é certo que utiliza compostos radioativos como o Undark.

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