15/11/2006
O jongo é uma herança que vem passando de geração em geração no Brasil. |
O que foi convencionado para ser no dia 20 de Novembro é celebrado o ano inteiro por pessoas que, através do jongo, mantém viva a consciência da cultura negra. Para tanto, estes guerreiros não medem esforços. Mesmo impedidos pela chuva de chegarem até o quilombo São José da Serra, em Valença, no interior do estado do Rio, onde aconteceu o XI Encontro de Jongueiros, os jongos da Serrinha, Piquete e Guaratinguetá, não deixaram de comemorar.
Como a estrada que leva até o local marcado para a realização do evento é de barro, o excesso de lama acabou separando fisicamente os grupos de jongueiros. Quem chegou mais cedo, conseguiu subir e participar da programação.Os outros, que não tiveram a mesma sorte, nem assim deixaram de festejar. A roda foi feita com muita alegria no meio do caminho mesmo, numa escola de Santa Isabel, última vila antes do quilombo.
Trazido da África pelos negros escravizados, o jongo é uma herança que vem passando de geração em geração no Brasil. Segundo a pesquisadora Marília Felipe, na dança participam homens e mulheres. Posicionando-se em forma de roda, um solista, o jongueiro, inicia uma canção chamada de “ponto”, enquanto os outros participantes respondem em coro batendo palmas e fazendo movimentos laterais:
Marília: o jongo tem início com uma louvação |
“O jongo tem início sempre com uma louvação, acompanhada com muito respeito por todos os participantes. Em seguida são cantados os “pontos”, baseados em um verso curto e fácil de ser cantado, que nem sempre são improvisados, pois há aqueles tradicionais que correm o mundo”, explica a estudiosa.
Há famílias como a de Jeferson de Oliveira, de 41 anos, onde o jongo sobrevive há mais de 150 anos, passando de pai para filho. E com ele não foi diferente. Jongueiro, como ele mesmo diz, desde a barriga da mãe, Jeferson ou Jefinho Tamandaré, do Jongo de Guaratinguetá, em São Paulo, está tendo o mesmo cuidado de passar para a filha recém-nascida, a tradição e paixão pela atividade:
Jeferson é jongueiro desde a barriga da mãe |
“Eu sou bisneto de escravos. O bairro onde a gente mora a maioria é negra. A minha família é toda de jongueiros. O primeiro jongo que eu fui foi na barriga de minha mãe. Com minha filha aconteceu o mesmo. Quero que ela cresça jongando”, diz entusiasmado o também compositor de samba enredo.
Se há dificuldade para a implementação da lei 10.639/2003, que obriga o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas do País, o mesmo parece não acontecer em Guaratinguetá. Segundo Jeferson, nas oito ruas do bairro, todas contam com a presença de jongueiros. Tanto que o local recebeu, recentemente, da Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo, o Título de Comunidade Remanescente de Quilombo. E não é só jongo que tem significativa aceitação, outros ritmos de matriz africana também são bem vindos no local:
“Aqui a gente dança também maculelê e samba de roda. Além disso, temos duas escolas de samba. Até nas escolas a cultura africana é valorizada. Volta e meia nós vamos lá dar oficinas para eles, apresentando nossa cultura. A idéia é estarmos levando para frente!”, afirma orgulhoso.
Luiza se encantou com farfalhar de saias |
Foi na escola que Luíza Marmello, de 46 anos, teve contato pela primeira vez com o jongo. E como não poderia deixar de ser, logo encantou-se com o farfalhar de saias e o som dos dois tambores; o maior (Tambu) e um menor (Candongueiro). Há 15 anos ela dá aulas de canto para as crianças do Jongo da Serrinha, em Madureira, na Zona Oeste do Rio:
“Estudava na Escola Villa Lobos e tive meu primeiro contato com o jongo, através do mestre Darcy que foi até lá dar uma oficina para a gente sobre o jongo. Fiquei encantada e fui até a Serrinha conhecer melhor. Com dois meses já tinha aprendido tocar os tambores, o canto e a dança e estou lá até hoje.Tenho na minha cabeça que os negros que vieram para cá como escravos eram todos reis e rainhas. Na minha concepção é assim. Pode ser até que não fosse. Graças a Deus tem esse encontro para manter viva a integração", analisa.
Unindo famílias
Rudnei conheceu Rozilis em uma roda de jongo |
“A menina me pediu laço de fita pra cintura / Aí eu mandei cordão de ouro/ Laço de fita não atura”. Com olhar apaixonado, Rudnei Nicacio, de 29 anos, do Jongo de Piquete, na divisa entre Minas e São Paulo, lembrou a música que cantou há três anos, quando conheceu sua atual mulher, Rozilis Luíza, de 32 anos, também jongueira:
“A minha história é até meio diferente. Eu fazia parte do Jongo do Pinheiral e ela era do Piquete. Nos conhecemos num encontro de jongueiros. Aí fui chegando, me interando com a comunidade, nos casamos e hoje sou do Piquete”, relembra sob o olhar de aprovação da companheira.
Para Rudnei, atualmente a valorização do jongo é maior. Herança deixada pelos africanos para o povo brasileiro, o respeito e reverência são fundamentais na hora da dança. A matriarca do Jongo da Serrinha, Tia Maria, de 86 anos, diz que abrir o jongo para que as crianças pudessem participar, foi fundamental para a permanência desta cultura:
Tia Maria(E): crianças para o jongo não morrer |
Veja as fotos do encontro em Santa Isabel.
*Matéria publicada no dia 15/11/2006 no portal Viva Favela
Texto: Fabiana André
Fotos: Walter Mesquita
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